R + N

Rodrigo e Naomi

March 17, 2011

Language: Portuguese

Ela saiu do portão da Fundação e uma onda de felicidade encheu seu peito. Vinha uma lembrança alegre de um dia como esse vivido: uma quarta-feira, uma noite boa com suas crianças e uma vontade de ver alguém especial. Ela quis ligar para ele, mas depois lembrou-se que ele tinha esquecido seu telemóvel no casaco que ele tinha emprestado a ela. Aquele casaco. Aquele dia. Aquela pipoca. Aquela árvore. Segundos depois, seu celular vibra. Era ele. Ligou como se fosse uma transmissão de pensamento.

Ela perguntou: «você vai fazer algo hoje? Eu ‘tô indo pr’a casa», e sorriu quando se lembrou do que ele respondeu. «Vou sim. Vai pr’a onde?». Ele respondeu: «vou encontrar você.»

Um dia feliz. Vários dias felizes.

---

E daí houve choro? Houve briga? Houve raiva? Todo mundo decepciona todo mundo um dia. E são esses dias de lágrimas e desavenças que fizeram ela e ele crescerem.

Ela. Ele.

Ela tentou tirar dele a vida dela depois que o conheceu numa balada ruim; depois de ter sonhado acordada agarrada com o seu bicho de pelúcia não muito belo, pensando nos dois juntos.

Ele, por sua vez, desde que a reencontrou nunca mais deixou de pensar nela; mesmo que “à sua maneira insensível de pensar”, ela diria.

Um português. Uma brasileira.

Português este que não gostava de como a Brasileira era: cor artificial no cabelo, roupas estranhas, acnes em toda parte, maquiagem pesada e barriga em excesso desproporcional ao resto de seu corpo. A brasileira, que também possuia uma personalidade forte, não admitia o jeito arrogante/grosso/frio/calculista do Português. Mas valeu a pena. Pessoas iguais não conseguem crescer. Uma não acrescenta nada à outra. A brasileira pensava muito nisso, mas suas memórias felizes com aquele “Português maldito” sempre invadiam sua mente. Afinal, admirar nuvens não tem o mesmo significado que tem agora,; beber no baluarte muito menos; ouvir qualquer música da trilha sonora deles sem ter os olhos brilhando era impossível; trocar de blusa com alguém também nunca mais foi tão especial; escutar um sotaque português na novelinha imbecil que fazem com os participantes do big brother também tem trazido mais alegria a ela agora. Assim como o trigo fazia a raposa se comover ao lembrar do cabelo loiro do 'principezinho', copinhos de criança com uma tampa e um relevo para a criança beber sem derramar no chão, faziam ela abrir um enorme sorriso simplesmente pelo facto de ser o copo que ele usava pra levar à empresa e que não tinha a mínima noção que aquele copo não condizia com sua idade. Ele a cativou.

Rodrigo. Naomi.

Ele gostava de que, quando a beijava, ela emitia um som De sua carinha escondida debaixo das cobertas dando para ver apenas seu sorriso De suas caretas quando ele a irritava e de suas manias estranhas “deixa eu ficar desse lado da rua?”

Ela gostava quando ele dizia aquelas verdades bonitas, assim… tão do nada. De quando abria a porta do banheiro e encontrava 2 cocas: uma de 3 litros e uma “filhote latinha”. De quando ele mandava mensagens lindas de manhã, mesmo que ela não entendesse nada que estivesse escrito. De quando ela saía do Inglês e encontrava ele à porta, mesmo que estivessem brigados, só para passar um pouco mais de tempo com ela.

Naomi + Rodrigo

Mordidas e arranhões, daqueles que ninguém gosta e que ninguém tem coragem de fazer a uma pessoa que mal conhece eram um prazer em comum. Passar o domingo na cama, apenas com a presença um do outro (e um computador cheio de músicas que complementam o que eles tiveram) e as noites assistindo um filme muitas vezes ruim e poucas vezes boas, era simplesmente a felicidade em forma de rotina.

E as idas ao quarto um do outro? Uma melhor do que a outra mesmo que o motivo era de raiva Os dois sabiam que eles estavam ali apenas porque um não queria ficar sem a presença do outro, de qualquer jeito.

Na verdade, apesar de ele, ela, Português, Brasileira, Rodrigo e Naomi, estarem separados por defeitos, quilómetros, gostos, culturas, personalidades, relacionamentos passados, entre tantas outras coisas, de alguma forma, eles sentiam que um sempre seria parte do outro. Não importa quantas qualidades venham a ter, ou quantas mudanças de gostos, quantas viagens e experiências culturais adquirem ao longo da vida, ou com quantas pessoas se relacionem daqui pr’a frente: um sempre será do outro. Uma família, um amor, um amigo, uma palavra doce, um gesto, um toque, um sorriso. Um sempre será do outro.